quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Na contramão da Lei Seca.


Decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfraquece o rigor da Lei Federal nº 11.705/08, mais conhecida como Lei Seca, e favorece o motorista que dirige alcoolizado e se recusa a fazer o teste do bafômetro.
Por unanimidade, a sexta turma decidiu que, sem o teste do bafômetro ou o exame de sangue, o condutor flagrado sob efeito de álcool não pode ser processado criminalmente, ficando sujeito apenas às punições administrativas.


Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio Braziliense/Diario, a decisão não é pacífica, mas representa um golpe na legislação de tolerância zero à combinação álcool e volante. "Essa decisão abre precedente que enfraquece a lei e cria jurisprudência que pode ser usada por motoristas infratores", analisou a promotora Laura Beatriz Castelo Branco, da Promotoria de Delitos de Trânsito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), lembrando que existem posicionamentos diferentes dentro do próprio STJ sobre o mesmo tema. Laura Beatriz tem o entendimento de que a constatação do agente é suficiente para comprovar a embriaguez do condutor, como está previsto na lei.
A decisão do STJ foi tomada no julgamento do Habeas Corpus nº 166.377, que pedia a extinção da ação penal contra um motorista paulista. Segundo a acusação, o homem dirigia seu veículo na contramão, quando foi abordado pela polícia: "Os policiais militares que o abordaram constataram o visível estado de embriaguez alcoólica do denunciado, que se recusou a se submeter a qualquer exame de alcoolemia, inclusive o bafômetro".
A defesa do motorista alegou a inexistência de provas, uma vez que o acusado foi submetido só a exame clínico, "o qual não é apto para constatar a concentração de álcool por litro de sangue". O ministro Og Fernandes, relator do processo, entendeu que, antes da Lei nº 11.705/08, bastava que o condutor sob efeito de álcool expusesse a dano potencial a incolumidade de outrem. Mas, quando a lei seca entrou em vigor, estabeleceu o nível de alcoolemia, excluiu a necessidade de exposição de dano e delimitou a comprovação com o Decreto nº 6.488/08.
Em seu voto, o ministro Og Fernandes escreveu que "para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica consubstanciada no teste do bafômetro ou exame de sangue". Com base nesses argumentos, os magistrados decidiram pela extinção da ação penal. O julgamento foi presido pela ministra Maria Thereza de Assis Moura e participaram os ministros Celso Limongi e Haroldo Rodrigues. Todos votaram com o relator.
Divergência
Um caso exatamente igual foi julgado pela Quinta Turma do STJ, mas a decisão foi bem diferente. O relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, negou o pedido de extinção da ação contra um condutor flagrado alcoolizado. O homem, também de São Paulo, se recusou a fazer o teste do bafômetro e o exame de sangue. No caso, o magistrado considerou suficiente o auto de constatação de embriaguez feito pela polícia no ato de flagrante.
Em seu voto, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho escreveu que "há prova exuberante da materialidade do crime, cuja autoria não se discute e, a vingar a tese da defesa do ilustre impetrante, ninguém poderia ser processado por infração ao artigo 306 do Código de Trânsito, de maneira que seria melhor rasgar de vez a denominada lei seca, esquecer que o Brasil precisa progredir e integrar o chamado primeiro mundo a imitar o modus vivendi do romântico Far West norte-americano".
Presidente da Comissão de Direitos de Trânsito da Ordem dos Advogados de São Paulo, Cyro Vidal avalia que, se decisões como a da Sexta Turma do STJ forem frequentes, em breve haverá uma súmula e, neste caso, a lei seca perderá definitivamente sua força para punir de forma rigorosa quem comete o crime de dirigir alcoolizado. "A virtude está no meio: não pode ser lá nem cá. Em caso de notória embriaguez, ainda que sem exame técnico, o infrator deve responder pelo crime", opinou. Vidal catalogou 198 sentenças de diferentes estados absolvendo ou tirando da cadeia condutores que se envolveram em acidentes de trânsito fatal e que estavam alcoolizados.
O que diz a lei
O artigo 165 da Lei nº 11.705/08, a LEI SECA, diz que dirigir alcoolizado é infração gravíssima. Os infratores flagrados são multados em R$ 957,70 têm a carteira de motorista recolhida, sete pontos lançados no prontuário e, se condenados pelo DETRAN, ficam proibidos de dirigir por um ano. A tolerância é zero. Por isso, qualquer concentração de álcool no organismo deixa o motorista sujeito à punição administrativa. A infração prevista poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. Já o artigo 306 tornou crime os casos em que o condutor é pego com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, ou 0,3 miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões. Nesses casos, além das punições previstas no artigo 165, o infrator é levado para a delegacia, tem que pagar fiança - entre R$ 600 e R$ 2 mil - e responde a processo criminal.
Diario de Pernambuco

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