Com o advento da Lei 12.587, que institui a Política Nacional da
Mobilidade Urbana, a via não é mais do automóvel. A lei é clara ao dizer
que essa prioridade terminou a partir de 12 de abril deste ano. A rua
deve, primeiro, ser ocupada pelo transporte não motorizado (pedestres,
bicicletas e assemelhados), depois, pelo transporte público e,
finalmente, pelo automóvel. O artigo é de Nazareno Stanislau Affonso.
Nazareno Stanislau Affonso (*)
Em todas as cidades do mundo onde foi implantado o
Pedágio Urbano foi constatado que esse mecanismo reduz o
congestionamento e a poluição atmosférica. Portanto é falso afirmar que é
uma proposta que não dará resultados positivos na redução dos
congestionamentos.
Contraditoriamente ao que se defende na classe
média, o pedágio traz compensações para a população de menor renda:
primeiramente, porque libera o sistema viário e, com isso, aumenta a
velocidade dos ônibus, reduzindo custos (menos ônibus fazem o mesmo
serviço); depois, porque produz recursos para melhorar a qualidade do
transporte coletivo, construir ciclovias e ampliar e qualificar as
calçadas – logo, melhora a situação de mais de 70% das viagens,
prejudicando em parte as 30% restantes feitas em automóveis privados.
Portanto é falso afirmar que se está prejudicando os mais pobres só
porque parte deles adquiriu o seu primeiro carro – que pode ser usado
para le
var o filho à escola, um doente ao hospital, visitar a família e fazer
viagens.
O Pedágio Urbano é viável tecnicamente, incentiva o uso
do transporte público e melhora de imediato sua operação por estar livre
dos congestionamentos, além de trazer, como vivi em Londres, as
bicicletas para compartilhar com segurança vias que antes eram
privatizadas pelos automóveis.
É necessário desfazer argumentos
contrários ao Pedágio Urbano e à Lei de Mobilidade. Com o advento da Lei
12.587, que institui a Política Nacional da Mobilidade Urbana, a via
não é mais do automóvel. A lei é clara ao dizer que essa prioridade
terminou a partir de 12 de abril deste ano. A rua deve, primeiro, ser
ocupada pelo transporte não motorizado (pedestres, bicicletas e
assemelhados), depois, pelo transporte público e, finalmente, pelo
automóvel. Ao automóvel são reservados 30%, em média, das vias. Os
demais 70% são para as bicicletas, calçadas e transporte público.
Logo, é urgente que o poder público democratize o uso das
vias existentes, começando pelas novas vias ou alargando outras, das
quais devem ser reservados 70% para os modais não motorizados e o
público. A lei veta, por exemplo, que os governos implantem um novo
viaduto ou via expressa reservada somente para carros ou, como é comum,
construam ruas ou avenidas sem espaço para a circulação de bicicleta e
com calçadas estreitas para o volume de pedestres.
É importante
afirmar que já existe pedágio urbano em cidades como São Paulo e Rio de
Janeiro, só que gerido integralmente pela iniciativa privada. São os
estacionamentos, que cobram o que o mercado exige sem que haja uma grita
geral e algum controle público. Aliás, a grita geral é contra os
flanelinhas, que são os que menos lucram com esse negócio altamente
rentável e que não traz retorno algum para o poder público.
O
Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), o Movi
mento Nacional pela Direito ao Transporte (MDT) e o Ruaviva - Instituto
da Mobilidade Sustentável vêm lançando há três anos consecutivamente a
proposta “a rua é das pessoas e não dos carros” durante as Jornadas
Brasileiras “na cidade, sem meu carro”. Nela, defendem a fluidez do
transporte coletivo, bicicletas e pedestres e a proibição do
estacionamento na via pública em áreas de corredores de transportes
coletivos e centrais da cidade, restituindo-se assim a democracia do
espaço público ao usar as áreas de estacionamentos para ampliar
calçadas, implantar ciclovias ou ciclo-faixas para bicicletas e as vias
privativas para o transporte público. Portanto, a proposta é o fim do
mercado privado dos estacionamentos, para que estes passem para o
controle da gestão pública, que concederia esse serviço e o licitaria
pelo maior preço, valor que seria repassado a um fundo de transporte
público e não motorizado – como determina a nova Lei de Mobilidade.
As entidades defendem ainda a inclusão dos automóveis de
forma democrática no sistema estrutural de transportes públicos (metrô,
ferrovia urbana, corredores exclusivos de ônibus-BRT e BRS, Veículos
Leves sobre Trilhos-VLT e, inclusive, monotrilhos) através do incentivo à
implantação de grandes garagens junto às estações desses sistemas.
Todas essas propostas seguem as orientações da Lei de Mobilidade Urbana
em vigor desde 12 de abril de 2012.
O Pedágio Urbano democratiza a
mobilidade onde é implantado? Diria que sim, principalmente em cidades
onde há uma crise ampla e geral de circulação – cujo caso exemplar é São
Paulo. Cidade que chama urgentemente a intervenção pública.
Primeiramente, para cumprir as promessas do governo do estado de
investir R$ 45 bilhões em sistemas estruturais de transportes públicos
sobre trilhos. Depois, para pressionar o novo governo municipal a
democratizar a via privatizada pelos automóveis cria
ndo BRS (vias exclusivas monitoradas contra invasão de automóveis) no
maior número de vias em que circulam ônibus, retirando-os dos
congestionamentos dos carros e, com isso, aumentando a velocidade e,
consequentemente, reduzindo custos – como no Rio de Janeiro, onde houve
redução de 23%.
Ao enfocar a democratização do espaço público, a
Lei de Mobilidade coloca nas mãos de nossas autoridades o grande desafio
de enfrentar o senso comum que tem servido para tornar a apropriação
privada pelos automóveis uma política de Estado. Falar de automóvel é
discutir privilégios nas políticas públicas. Falar de transporte público
e não motorizado é discutir como promover direitos.
(*)
Urbanista, presidente do Ruaviva - Instituto da Mobilidade Sustentável,
coordenador do Movimento pelo Direito ao Transporte (MDT) e coordenador
da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) Brasília.