segunda-feira, 1 de março de 2010

Fila dupla

De um tempo para cá, sempre que retorna o período letivo, os jornais apresentam a mesma e repetida pauta: fila dupla de automóveis diante das escolas atormentando o trânsito.
E, todo ano, insistem em constatar a febre sem atacar a verdadeira doença: nossa grave e epidêmica insegurança pública. Ou alguém imagina que os pais adoram burlar as leis de trânsito? Impor a todos (inclusive a si próprios) um desperdício tolo de vida ao buscarem as crianças no meio de um engarrafamento infernal?
Ora, quando, ou melhor, se agem assim, são movidos exclusivamente pelo medo. Medo de estacionar afastado; medo de os filhos andarem sozinhos pela rua; medo de se perderem da vista dos seguranças particulares que estão nos portões do colégio.
Esses mesmos pais, hoje atravancando o trânsito, estudaram mais ou menos junto comigo, isto é, nos anos 70 e 80 do século passado. Pouco tempo para mudanças tão incisivas - e tristes - no país.
Afinal, uma das mais alegres lembranças que tenho do período é a verdadeira massa estudantil deixando o perímetro do Colégio Anchieta a pé. Lindo de ver! Um contingente tão numeroso quanto uma saída de estádio de futebol em dia de clássico, formado quase exclusivamente por jovens e crianças a caminho de casa.
Cena que, imagino, repetia-se diante do Farroupilha, Rosário, São João, Pastor Dohms e todas as escolas de classe média alta. Alguns estudantes pegavam ônibus. Outros, como eu, caminhavam duas dezenas de minutos até o destino. Os pais, tranquilos, esperavam nossa chegada.
Desafio qualquer um a procurar, nos dias correntes, crianças ou pré-adolescentes às centenas cruzando a pé os portões das escolas particulares de Porto Alegre. Será que se tornaram deficientes físicos?
Não sabem para que lado rumar? Nada: perderam, sim, a confiança no espaço público. Por coincidência, surgiram grades e cercas elétricas na frente da totalidade das casas e prédios. Nas ruas, automóveis de vidros escuros e cerrados. Câmeras e seguranças armados pelas fachadas.
Uma operação de guerra a cada embarque ou desembarque. Enquanto isso, notícias de bondes matando ou machucando os estudantes de escolas estaduais ou municipais - estes sim, condenados a persistir em uma rotina outrora tão corriqueira, tão ecologicamente correta, tão democrática (essa palavra...). Melhor: tão saudável!
A cidade precisa voltar a ser de todos. Reconquistar a segurança e também a indispensável sensação de segurança. Quem sabe seja esta a chave para o fim de tantos tormentos, dentre eles os engarrafamentos diante das escolas.
Quantos estudantes não moram a uma distância razoável de sua escola? Não quero justificar ninguém: parar em fila dupla é, claro, uma infração. Mas condenar cidadãos ao medo, impedindo-os de ocupar as calçadas em paz, deveria ser considerado crime.

Rubem Penz,
Pai, escritor e músico

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Boa tarde,

    Concordo que qualquer lugar hoje no nosso país, é naturalmente inseguro, tanto para quem tem uma boa vida financeira , tanto quanto para quem não tem. Entendo que o bem estar coletivo, quase sempre deve ser priorizado. Atrapalhar mais ainda a vida de pessoas que tentam se locomover pela cidade, que ja tem diversos problemas com trânsito, não pode ser justificado pela insegurança que temos nas ruas de SP. As ruas são espaço público, ou seja, nesse caso todos tem direito a usar, porém, as ruas não pertencem a nenhuma escola, nem aos pais de alunos dessas escolas. As escolas e pais tem que encontrar a melhor maneira de transformar o trajeto (ide e volta) das escolas mais seguro, SEM ATRAPALHAR a vida das outras pessoas. Na minha humilde opinião, ai é que está o problema, fazer isso, com certeza aumentará custos, e nem escolas, nem pais de alunos, vão querer arcar com isso, é mais fácil prejudicar o coletivo e justificar com motivos pessoais.

    Adilson. (adil_anjos@hotmail.com)

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