segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Carroças, o novo espaço para a arte





Conhecido por seu trabalho em muros e viadutos de São Paulo, o grafiteiro Mundano, de 24 anos, resolveu expandir sua arte para os carrinhos de 20 mil catadores de material reciclável. Em setembro, após três anos de trabalho, ele cumpriu a meta do projeto São Paulo 100 Carroças: com desenhos e frases, coloriu uma centena destes veículos na capital paulista, Nova York (EUA), Buenos Aires (Argentina), Santiago e Valparaíso (Chile). Agora, com o nome Cidades Recicláveis, o projeto será levado a todo o País.


Enquanto conversava com o Estado, ele pintou a 101.ª carroça. "É um trabalho artístico, mas não deixa de ser social. Quando me despeço, vejo o cara com um sorriso no rosto. E garanto que alguém parou de buzinar para ele ao ver a mensagem. Quero valorizar essas pessoas para que sejam mais respeitadas." Grafiteiro nas horas vagas, ele prefere não revelar seu nome e profissão. "Acho interessante gerar a curiosidade nas pessoas."
O anonimato também é uma forma de se preservar das reações adversas às frases provocadoras de seus grafites, já apagadas diversas vezes com tinta cinza pela Prefeitura. Mundano foi preso por pintar com outros grafiteiros um muro na Avenida 23 de Maio, em protesto à polêmica limpeza dos grafites que haviam ali. Ele também foi detido por causa da "denúncia de um político", após grafitar 13 vezes um bloco de concreto na frente da Assembleia Legislativa.
Até algumas carroças chegaram a ser "censuradas" por influência de pessoas que se irritaram com as frases. "Quando incomoda, é um bom sinal. Acredito no que faço e não vou mudar meu estilo porque estão apagando." Mundano também já grafitou ocupações de sem-teto e favelas hoje desapropriadas. "Uma das frases preferidas dos carroceiros é "se político fosse reciclável, eu estaria rico.""
Agentes ambientais. O projeto, segundo Mundano, vai continuar até que a importância dos catadores seja reconhecida. Além de pintar as carroças, ele pretende equipá-las com itens de segurança, como refletores. Ele criou a gravura Cidade Reciclável, que representa os cem primeiros carroceiros e retrata um deles carregando o material nas costas. "Ele recicla papelão, garrafas, latinhas, jornais, políticos corruptos, a poluição, o desperdício, a televisão e a violência das grandes cidades."
Nova York. O grafiteiro está preparando um livro sobre sua experiência com esses profissionais, chamados por ele de "agentes ambientais". Durante 15 dias, ele viveu a experiência de catar sucata em Nova York, onde montou uma carroça com o material recolhido para uma exposição.
O trabalho é feito em parceria com o catador, que é consultado sobre as frases e tem liberdade de escrever o que quiser. Ao levar o projeto a Santiago, Valparaíso, Buenos Aires e Nova York, ele abriu possibilidade de a ideia se expandir e ser encampada por outros artistas e catadores.
"Meu trabalho é dar voz aos catadores e colocá-los em evidência de um jeito bacana. Quero que a importância deles seja percebida, que deixem de ser invisíveis. Essas pessoas coletam 80% do lixo reciclável de São Paulo e não são citadas em nenhum plano de governo", reclama. "É preciso fazer as pessoas pensarem. Elas não têm tempo de ir ao museu, têm de ver a arte na rua. E no trânsito, onde passam às vezes mais tempo do que com a família, é uma ótima hora para passar mensagens, porque estão pensando. Se meia dúzia viu e refletiu, já valeu a pena."
O catador Edmilson Teixeira, de 42 anos (há 13 no ramo), ficou satisfeito. "O pessoal pergunta quem faz, pede para tirar foto. Gosto dos desenhos e ele escreve palavras muito bonitas. O pessoal nos respeita mais", conta. "Seria legal se ele pintasse também nossas camisetas."
Nilton Alves, de 56 anos, também considera que o grafite valoriza seu trabalho. "É uma pintura que a gente gosta de ver. Sempre há muito preconceito, mas quando a carroça está arrumada, muda o jeito de as pessoas olharem para ela."
Protesto nas carroças
MUNDANO GRAFITEIRO
"Meu carro não polui."
"Meu trabalho é honesto, e o seu?"
"Reciclem os políticos."
"Agente ambiental trabalhando. Não buzine." 

AE

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