A questão dos fretados mostra a orientação da administração de São Paulo que é privilegiar o proprietário individual em detrimento do transporte coletivo.
Existe um cordão umbilical entre a não construção de nenhum novo corredor de ônibus na cidade nos últimos cinco anos e a diminuição no número de ônibus em circulação.
Kassab mostrou que a falta de planejamento, as ações motivadas pelo marketing e os factóides configuram o método a serviço desta orientação focada em favor do transporte individual .
Não é de estranhar, então, que para justificar sua ação desastrada contra os fretados, Kassab tenha manipulado os dados e transmitido a mídia informações falsas sobre o impacto da medida de restrição dos fretados no trânsito de São Paulo.
EDITORIAL O ESTADO SP
Mudança improvisada
O recuo da Prefeitura, ao liberar a Avenida Luís Carlos Berrini para a circulação dos ônibus fretados, demonstra que não foram adequadamente planejadas as novas regras impostas para esses veículos. Essa era uma das avenidas em que, segundo a Secretaria Municipal dos Transportes, a restrição à circulação dos fretados seria rigorosamente mantida, com o objetivo de melhorar o trânsito na cidade. Em vigor desde segunda-feira, as novas regras para os fretados estavam prejudicando o tráfego na Marginal do Pinheiros, com reflexo em outras áreas, o que forçou a Secretaria a voltar atrás - a despeito de o prefeito Gilberto Kassab ter afirmado, horas antes, que nada seria mudado.
Os novos pontos de congestionamento criados pela concentração de fretados em locais inadequados foram as evidências mais notáveis da improvisação. Mas houve outras. Praticamente todos os afetados pelas mudanças passaram por momentos de irritação e desconforto. Longas filas nas bilheterias do Metrô, congestionamentos nas regiões de embarque, moradores impedidos de tirar o carro de sua garagem, protestos dos usuários, que bloquearam o tráfego em importantes avenidas, contrastavam com o otimismo do secretário dos Transportes, Alexandre de Moraes.
Apesar das evidências do fracasso, Moraes apresentou dados sobre o que considerou a melhora do trânsito na cidade. Na terça-feira de manhã, disse ele, a média de congestionamentos foi 36% menor do que a de outras terças-feiras de julho. Mas esse é um dado isolado. É preciso observar os índices de congestionamento de um período mais longo, inclusive comparando-os com os de anos anteriores, para se ter uma noção mais precisa dos efeitos das mudanças.
A Prefeitura restringiu a circulação dos fretados numa área de 70 km² e criou 14 pontos para embarque e desembarque nas proximidades de estações do Metrô e da CPTM. A Secretaria dos Transportes garantiu que cada ponto “foi planejado de modo a absorver a demanda, sem prejudicar o trânsito das vias de entorno”. Mas ela não se preocupou em averiguar quais seriam os pontos de destino dos fretados e o momento de sua chegada. Ao contrário dos ônibus de linha regular, os fretados definem o roteiro e o horário de acordo com a conveniência dos usuários. Como não obedecem a uma escala, todos podem chegar ao mesmo local praticamente ao mesmo tempo.
Foi o que aconteceu em pontos de grande movimento, como o criado junto à Estação Santos-Imigrantes do Metrô. Entre 7 e 8 horas de segunda-feira, 200 ônibus chegaram ao ponto para desembarcar 7,5 mil passageiros, provocando grande congestionamento na região. Já o ponto com o maior número de vagas para os fretados, o da Rua Prudente de Morais, no Brás, ficou praticamente vazio.
Muitos dos novos locais de parada dos fretados são inadequados. Ou não há espaço suficiente para todos os que chegam num determinado horário ou as ruas são estreitas. Por isso, a Prefeitura reviu alguns, transferindo-os para avenidas de grande movimento, como a dos Bandeirantes, ou abrindo outros em avenidas que queria manter livre dos fretados, como a Berrini.
Obviamente, moradores das regiões de onde os fretados foram retirados gostaram, pois ficaram livres do incômodo que esses ônibus lhes causavam e do congestionamento que eles provocavam. Para a cidade, porém, o resultado pode ser quase nulo. Os incômodos e os congestionamentos apenas mudaram de lugar.
A Prefeitura diz que, com as mudanças, os usuários dos fretados utilizarão o sistema de transporte público para chegar a seu destino. É preciso perguntar se os usuários concordam em fazer isso. A experiência dos primeiros dias foi ruim, o que pode estimulá-los a buscar outros meios, como o automóvel. Em certos casos, ficará até mais barato ir para o trabalho com carro próprio do que com ônibus fretado, pois agora essas pessoas terão de arcar com outros custos. Se todas optarem pelo automóvel, o trânsito na cidade ficará ainda pior, pois 40 automóveis ocupam uma área muito maior do que a de um ônibus. Que utilidade terá, então, uma mudança dessas?
DA REPORTAGEM LOCAL - FOLHA SP
Apesar dos transtornos nos primeiros dias de restrição aos ônibus fretados, a Prefeitura de São Paulo voltou a negar que a medida não tenha tido um planejamento adequado.Mas técnicos da CET, da SPTrans (empresa municipal que cuida do transporte coletivo) e da própria Secretaria de Transportes admitiam, em conversas reservadas, que uma das principais falhas foi a falta de um mapeamento para identificar para onde iriam os fretados que foram vetados na região central e seus horários de concentração.Como cada fretado podia escolher entre os 14 pontos definidos pela prefeitura, a gestão Kassab imaginava que os ônibus vetados se dividiriam entre diversos bolsões -mas houve acúmulo grande em estações como Sumaré e Imigrantes do metrô, provocando superlotação e trânsito no entorno.A prefeitura previa, por exemplo, que os ônibus que vinham da zona leste iriam desembarcar na estação Brás do metrô (linha vermelha), mas muito motoristas optaram pelas estações da linha verde, para evitar a baldeação, já que a maioria dos passageiros costuma desembarcar na Paulista.A prefeitura também acreditava que os veículos chegariam no metrô entre as 5h e as 9h -a concentração foi das 7h às 8h.A Folha apurou que a falta de planejamento foi até motivo de discussão entre integrantes da cúpula do transporte de Kassab e os tradicionais aliados do governo José Serra (PSDB).Dirigentes ligados ao Estado reclamaram nas últimas semanas que a decisão da prefeitura sobre os fretados foi tomada sem consultá-los ou avisá-los com antecedência -embora fossem diretamente atingidos pela migração de passageiros.Ontem, a situação foi mais tranquila nas estações de metrô. Para a prefeitura, eventuais falhas no início da vigência do sistema são pontuais e serão corrigidas.
Ruas sem estruturaOutra falha apontada foi a precariedade dos espaços de embarque e de desembarque criados para os fretados -atingindo ruas residenciais e estreitas, sem estrutura para receber veículos desse porte.Entre as áreas escolhidas pela prefeitura para embarque e desembarque dos fretados havia ruas estreitas como a Guilherme Barbosa de Mello -travessa da Berrini com só 200 metros de extensão e onde um grupo de cerca de 50 moradores protestou ontem.“Aqui é o penico do mundo”, reclamava a aposentada Inês Rodrigues, 52, ao contestar a escolha da via para receber os fretados. O ponto em vigor desde anteontem fica em frente à garagem de um condomínio e na mesma calçada em que funcionam um ponto de táxi, uma parada de ônibus convencionais e vagas de Zona Azul.Irritados com a dificuldade para entrar e sair da garagem, os moradores se reuniram para obstruir a entrada de fretados.Devido à rua estreita e de mão dupla, os fretados que passavam por ela anteontem não conseguiam ângulo para fazer a curva e seguir pela marginal. O jeito encontrado por agentes da CET foi parar a circulação de parte da pista local para que os ônibus concluíssem a manobra.A Folha apurou que técnicos defendiam adiar a restrição. A ideia foi descartada devido à avaliação de que era melhor adotá-la nas férias, quando há menos trânsito. (ALENCAR IZIDORO, MARIANA BARROS E EVANDRO SPINELLI)
OPINIÃO
Velhos “remédios” para velhos problemas MARCOS PIMENTEL BICALHO
Velhos “remédios” para velhos problemas MARCOS PIMENTEL BICALHO
A DECISÃO da Prefeitura de São Paulo de proibir a circulação dos ônibus de fretamento na região do centro expandido trouxe à tona velhos problemas: no primeiro plano, a questão dos ônibus fretados e, como pano de fundo, a caótica situação do trânsito paulistano.É necessário organizar a circulação dos ônibus fretados, que causam uma série de transtornos para todas as demais pessoas que precisam se movimentar por algumas das principais vias da cidade.Regras para a circulação e a parada desses ônibus seriam bem-vindas, mesmo que venham a impor restrições aos seus usuários ou às empresas que exploram o serviço.Porém, no seu mérito e graves problemas devem ser destacados.Quanto ao primeiro aspecto, essa ação não pode ser vista de forma isolada de outras medidas que estão sendo tomadas, ou foram anunciadas, em relação à gestão da circulação na cidade de São Paulo.Alguns exemplos são restrições já praticadas à circulação do transporte de carga, tentativa (fracassada) de suspensão do rodízio, pacotes de obras viárias e paralisação da construção dos corredores de ônibus -todas com um claro objetivo em comum: abrir espaço nas ruas para o transporte individual, mesmo que isso cause impactos negativos nos demais modos de transporte.Fossem outros os objetivos, isto é, se a sociedade percebesse a proposta da prefeitura como parte de uma política mais ampla, direcionada para priorizar de fato o transporte coletivo, medidas similares a essas colocadas hoje para os fretados seriam toleradas e até aplaudidas.Ao contrário, teme-se que seu resultado venha a ser o agravamento do problema da cidade, tirando usuários de um modo de transporte coletivo, ainda que privado.Caberia agora uma segunda crítica, com relação à forma aparentemente precipitada como a restrição foi colocada em prática. Mesmo em um ambiente favorável, medidas complexas como essa demandam cuidadoso planejamento, ampla negociação com os segmentos envolvidos e flexibilidade (sem perder de vista os objetivos desejados) na implementação.As imagens das enormes filas de pessoas e de ônibus nos poucos locais destinados à parada dos fretados eram previsíveis; o número de ônibus afetados (cerca de mil, segundo a mídia) deveria ser de conhecimento dos técnicos da prefeitura, que deveriam ter tomado providências com antecedência para criar condições mínimas para essas operações; os serviços de transporte coletivo envolvidos, principalmente os de alta capacidade (metrô e ferrovia), parecem não ter sido envolvidos no planejamento da proposta e, ao contrário, terem sido pegos de surpresa no seu primeiro dia de validade.Condenável pelo mérito e descuidada na sua operacionalização inicial, a medida perde força, mesmo em seus possíveis pontos positivos.
MARCOS PIMENTEL BICALHO é arquiteto, urbanista e superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos)
MARCOS PIMENTEL BICALHO é arquiteto, urbanista e superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos)
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