Beber e dirigir é mais difícil de mudar que usar o cinto
No último dia 22 de março, o Governo Federal divulgou um estudo desenvolvido pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) feito com 868 adolescentes de 15 a 17 anos. Entre os resultados, a pesquisa revelou que 55% dos entrevistados admitem pegar carona com motorista alcoolizado. Ao mesmo tempo, 84,9% dos meninos e 91,4% das meninas concordam que deveria ser proibido dirigir depois de beber e 84,9% afirmam conhecer a Lei Seca. A pesquisa foi feita em outubro e novembro de 2009 em seis capitais brasileiras - Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Porto Alegre.
Nesta entrevista à Perkons, a Dr. Julia Greve, do departamento de Álcool e Drogas da Abramet - Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, fala sobre o tema álcool e direção, tratando das especificidades do público adolescente.
O que te chamou mais a atenção nesta pesquisa da Senad?
Julia Greve: O que eles dizem e fazem é o que ocorre em relação ao álcool: se você pergunta, independentemente de ser adolescente, as pessoas dizem que não pode beber e dirigir, que é a conduta certa. Mas a hora que você transpõe a fala para a ação a coisa não é assim. Caso contrário não teríamos um índice tão alto de acidente envolvendo álcool. Ninguém nem pegaria carona com motorista sob efeito de álcool. O comportamento mostra que os adolescentes, em particular, não sabem o que é entrar em um carro com uma pessoa alcoolizada, não sabem do risco. E o mesmo para dirigir. Essa pesquisa mostra isso nos adolescentes, mas permeia toda a cultura brasileira. Nos países fora do Brasil ocorre o medo de ser punido e isso não acontece. Aqui, elas acham que não vão pagar caro. A sensação da punidade, apesar da lei seca, não foi suficiente. Na verdade, beber e dirigir é um comportamento mais difícil de mudar que usar o cinto.
Por quê?
JG - Porque envolve uma mudança maior, há perda de comodidade. Para sair com os amigos, ir em uma festa, por exemplo, precisa ter esquema: ou alguém não bebe, ou você precisa pedir táxi etc. Você só faria isso se o risco da punição fosse iminente. Quando começou a fiscalização ostensiva o comportamento mudou. Hoje já não tenho essa certeza. Essa mudança de paradigma de comportamento só se vai conseguir de fato com um sistema de fiscalização eficiente.
Como fazer o jovem perceber o risco de pegar carona com motorista alcoolizado?
JG - Mais que falar, você precisa colocar o jovem em situações de simulações para ele perceber o que é perigoso. Um simulador que usávamos na faculdade de medicina na USP fazia o indivíduo dirigir como se estivesse bêbado, ele não conseguia controlar a direção. Aí essa pessoa tem a percepção. Como transmitir isso ao jovem é um desafio para nossos comunicadores. Porque se você proíbe mostrando que é um risco, cai na rebeldia do jovem. Então tem que ser passado de uma maneira eficiente e mais divertida que restritiva. Os adolescentes são solidários, gostam de andar em grupo, então é preciso encontrar uma forma na qual ele não vai ser chamado de careta. Amigo da vez é uma maneira de fazer mais simpática, mas não sei se consegue atingir a todos só com essa abordagem. Infelizmente, há 15 anos trabalho na linha dos acidentes e já vi várias campanhas que aparentemente não foram eficientes, porque não estamos ganhando essa batalha.
O álcool age diferente em organismo adolescente?
JG - Sim, o efeito no adolescente é pior, uma porque ele ainda está menos acostumado a beber. É um bebedor novo. Quanto mais se bebe, aumenta a tolerância e diminui os efeitos na medida em que você vai envelhecendo. Além disso, eles ainda não têm o desenvolvimento físico pleno. Organismo menor, efeito físico maior. O álcool age no sistema nervoso central, diminuindo suas ações conforme a ingestão. A atenção, concentração, capacidade motora e o campo visual diminuem, além disso, há perda do grau de vigília. Conforme se bebe mais, há falta de coordenação até que se chegue no ponto da letargia completa e coma. É como se fosse apagando as luzes do cérebro. E o álcool aumenta os outros comportamentos perigosos, como não usar cinto, alta velocidade. O indivíduo só vai estar em condição de dirigir pelo menos seis horas depois. Banho frio e café não adiantam. O álcool não está na pele, está dentro do sangue.
O que mais aumenta as chances de acidentes?
JG - ao efeito do álcool se soma o comportamento do perfil do adolescente, rebelde e agitado. O álcool desinibe e potencializa esse comportamento, o que é trágico. Imagine um menino todo corajoso com um bando de amigos querendo se mostrar. E nem precisa ter tomado muito! Em grupos, todos ficam mais corajosos e aumentam os comportamentos inadequados. E hoje os acessos aos carros estão muito fáceis. É muito mais adolescente e jovem com carro. Há poucos anos, a maior parte deles não tinha, pegava emprestado de vez em quando. Com essa facilidade de financiamento etc., pessoas que não tiveram uma educação formal adequada para lidar com o carro estão com uma arma na mão. O ensino de como se comportar na direção não veio da família, ele não aprendeu a respeitar o veiculo motorizado. Isso também aumenta o risco de acidentes.
E ele dirige há pouco tempo...
JG - Pessoa nova, motorista nova e bebedor novo. Passou por poucas experiências. Soma tudo isso e você tem uma coisa explosiva. Para o jovem é uma sensação nova pegar o carro e dirigir. É uma habilidade que ele está adquirindo, com importância social grande. Se ele faz manobra, canta pneu, ele tem status e é inserido dentro do grupo. Então ele já é um motorista com comportamento de risco. Há muita preocupação com relação às drogas, mas em relação ao álcool os pais são mais permissivos. Não vêem como uma droga e não vêem como um problema se o filho de 16 anos está bebendo. A associação dessa bebida descriminada e a falta de culpa é complicado. E ficar bêbado é bacana para ele! É um rito de passagem. Somado a bebida e a adrenalina você tem risco maior de acidentes. Por isso tem que ter leis e fiscalização eficiente para que ao menos o adolescente tenha medo de ter atitudes assim. Uma mudança no comportamento começa por esse caminho. Essa questão deve ser prioridade. Fazer uma ação ampla, treinar um grupo de policiamento especial, pegar e punir os motoristas bêbados. O pouquinho que a gente conseguiu na promulgação da lei seca houve uma redução efetiva dos acidentes, menos internação e menos morte. Esse caminho mostrou de forma clara que é por aí. A campanha, a informação não deve deixar de existir, mas ela fica banal sem a fiscalização.
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